quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Crônica 2

ASSOBIAR E CHUPAR CANA
 Por Elói Kreutz*
“Nem tudo pode ser perfeito
Nem tudo pode ser bacana
Quero ver um cara sentar numa praça
Assobiar e chupar cana”

Assim cantava Benito de Paula, sentado solenemente ao piano, nas tardes de domingo, em alguma emissora de tevê. Pena que não canta mais, esqueceram dele porque não dá mais ibope. Confesso, entre um pouco de saudosismo e nostalgia, que era bem melhor do que as letras  e pseudomúsicas atuais que fazem tremer em velocidades espantosas a parte mais carnuda das popuzudas. É bom para os olhos! Mas para os ouvidos...
Poderia fazer uma digressão sobre os fenômenos musicais. São produtos do mercado, da mídia,  transitórios, efêmeros, pois sabemos que hoje alcança sucesso quem tem patrocínio, quem rende mais lucros. O resto é lerolero.
- Olha só que verso sem noção: “assobiar e chupar cana”! Vai dizer que isto é poético! Onde está a arte?
- Pois aí é que entra  o xis da questão.
- Como assim?
- Presta atenção se não é “filosófica” e verdadeira esta letra. No mínimo o cara que tenta fazer as duas coisas ao mesmo tempo não vai se dar bem.
- Ah, entendi. Nunca atentei para a mensagem disto.
- Você já reparou como tem gente que acha que consegue esta proeza? Observa os adolescentes, os jovens. Estão sempre provar que a teoria dos versos é possível. Parecem verdadeiras máquinas multiuso. Enquanto estão mantendo contatos virtuais na internet com uma dúzia de amigos, ao mesmo tempo conseguem bisbilhotar em outros tantos perfis postados com fotos de todos os acontecimentos relevantes para eles; para dar uma animada, estão com os fones nos ouvidos curtindo o som da galera; enquanto isso, manipulam com destreza o telefone celular com centenas de funções, digitando e enviando mensagens; ainda conseguem acompanhar um filme que passa na tevê; como se isto não bastasse, estão com os cadernos e livros abertos...
- Fenomenal. Não tenho palavras. Você está mais do que certo.
- Por outro lado, há os que, por necessidade de sobrevivência, precisam “assobiar e chupar cana”. Veja só os professores. Se continuar desse jeito vão acabar é se engasgando! O tempo inteiro precisam fazer malabarismos, assumir mais de uma escola, enfrentar burocracias , falta de reconhecimento, sobreviver com baixíssimos salários, desdobrar o dia em três turnos, dar aulas para turmas com mais de trinta alunos, não receber seus direitos, como promoções e progressões na carreira, continuar a usar as mesmas ferramentas de mais de meio século, quadro e giz. Conheço uns quantos que, para completar seus minguados proventos, ainda fazem bicos, vendendo perfumes, lingerie, fazendo docinhos e salgadinhos, cuidando de provas de concursos e muito mais.

- Realmente estou perplexo. Não tinha reparado para lição desses versos aparentemente tão ingênuos. Hoje mesmo vou dar uma ressuscitada num daqueles elepês (disco de vinil) do fundo do baú e ver se encontro um do velho Benito. Concordo que é bastante filosófico!
* Professor de português

4 comentários:

  1. Parabéns, professor Elói! Está na hora de conseguir patrocínio para publicar suas crônicas. Elas não podem ficar engavetadas...

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    1. Concordo, Profe Venita!
      Por isso mesmo que comecei a divulgar... e cfe o autor, teremos edição semanal.

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  2. Muito legal professor Eloi!!!

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  3. Bons textos merecem ser compartilhados! Já vai pro Face!

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