ASSOBIAR E CHUPAR CANA
“Nem tudo pode ser perfeito
Nem tudo pode ser bacana
Quero ver um cara sentar numa praça
Assobiar e chupar cana”
Nem tudo pode ser bacana
Quero ver um cara sentar numa praça
Assobiar e chupar cana”
Assim cantava Benito de Paula, sentado solenemente ao piano,
nas tardes de domingo, em alguma emissora de tevê. Pena que não canta mais,
esqueceram dele porque não dá mais ibope. Confesso, entre um pouco de
saudosismo e nostalgia, que era bem melhor do que as letras e pseudomúsicas atuais que fazem tremer em
velocidades espantosas a parte mais carnuda das popuzudas. É bom para os olhos!
Mas para os ouvidos...
Poderia fazer uma digressão sobre os fenômenos musicais. São
produtos do mercado, da mídia,
transitórios, efêmeros, pois sabemos que hoje alcança sucesso quem tem
patrocínio, quem rende mais lucros. O resto é lerolero.
- Olha só que verso sem noção: “assobiar e chupar cana”! Vai
dizer que isto é poético! Onde está a arte?
- Pois aí é que entra
o xis da questão.
- Como assim?
- Presta atenção se não é “filosófica” e verdadeira esta
letra. No mínimo o cara que tenta fazer as duas coisas ao mesmo tempo não vai
se dar bem.
- Ah, entendi. Nunca atentei para a mensagem disto.
- Você já reparou como tem gente que acha que consegue esta
proeza? Observa os adolescentes, os jovens. Estão sempre provar que a teoria
dos versos é possível. Parecem verdadeiras máquinas multiuso. Enquanto estão
mantendo contatos virtuais na internet com uma dúzia de amigos, ao mesmo tempo
conseguem bisbilhotar em outros tantos perfis postados com fotos de todos os
acontecimentos relevantes para eles; para dar uma animada, estão com os fones
nos ouvidos curtindo o som da galera; enquanto isso, manipulam com destreza o
telefone celular com centenas de funções, digitando e enviando mensagens; ainda
conseguem acompanhar um filme que passa na tevê; como se isto não bastasse,
estão com os cadernos e livros abertos...
- Fenomenal. Não tenho palavras. Você está mais do que
certo.
- Por outro lado, há os que, por necessidade de
sobrevivência, precisam “assobiar e chupar cana”. Veja só os professores. Se
continuar desse jeito vão acabar é se engasgando! O tempo inteiro precisam
fazer malabarismos, assumir mais de uma escola, enfrentar burocracias , falta
de reconhecimento, sobreviver com baixíssimos salários, desdobrar o dia em três
turnos, dar aulas para turmas com mais de trinta alunos, não receber seus
direitos, como promoções e progressões na carreira, continuar a usar as mesmas
ferramentas de mais de meio século, quadro e giz. Conheço uns quantos que, para
completar seus minguados proventos, ainda fazem bicos, vendendo perfumes,
lingerie, fazendo docinhos e salgadinhos, cuidando de provas de concursos e
muito mais.
- Realmente estou perplexo. Não tinha reparado para lição
desses versos aparentemente tão ingênuos. Hoje mesmo vou dar uma ressuscitada num
daqueles elepês (disco de vinil) do fundo do baú e ver se encontro um do velho
Benito. Concordo que é bastante filosófico!
* Professor de português
Parabéns, professor Elói! Está na hora de conseguir patrocínio para publicar suas crônicas. Elas não podem ficar engavetadas...
ResponderExcluirConcordo, Profe Venita!
ExcluirPor isso mesmo que comecei a divulgar... e cfe o autor, teremos edição semanal.
Muito legal professor Eloi!!!
ResponderExcluirBons textos merecem ser compartilhados! Já vai pro Face!
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