“CUIDADO, FRÁGIL”
“Cresci; e nisso é que
a família não interveio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os
gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e, com certeza, as magnólias são
menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o menino é pai do homem” (o grifo é
meu).
Temos aí uma transcrição da parte de um parágrafo do livro
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. A pretensão de me apossar desse pequeno
excerto de uma obra magnífica do maior escritor brasileiro de todos os tempos,
é tecer algumas considerações sobre a veracidade dessa afirmação. Por analogia,
poderíamos nos valer também de um adágio popular que também contém uma grande
verdade: “De pequenino se torce o pepino”.
Assim deveria ser. Pela ordem natural das coisas, ou pela
cronologia dos acontecimentos da vida, o menino de hoje deve crescer,
educar-se, formar-se e assim , na infância, adolescência e juventude construir
as bases sólidas do homem que será no futuro. É o ciclo normal da sequência da
vida. O menino cresce com responsabilidade e bons valores e será um cidadão, um
homem. O menino sobrevive, tem longa vida. O menino enterra seus pais, pois eles
o precederam. Os mais velhos morrem antes dos mais novos. Portanto, não são os
pais que devem levar o menino antes deles para o cemitério.
Infelizmente, isto mudou. Principalmente com o aumento
vertiginoso da tecnologia e do mau uso que é feito dela. Em especial no que
tange à facilidade de locomoção. Potentes máquinas mortíferas – quando usadas
incorretamente e sem responsabilidade - chamadas de automóveis, tornam-se o
sonho de consumo cada vez mais intenso dos jovens de hoje. O sucesso, o
bem-estar, a conquista, o poder estão diretamente relacionados a eles.
- Quando tiver dezoito anos, a primeira coisa que vou fazer
é tirar carteira de motorista!
É assim que sucede. O menino está ao volante e ficou
valente.
O fruto da valentia do menino ao volante vemos quando
abrimos o jornal, principalmente às segundas-feiras. As manchetes
estarrecedoras das estatísticas de acidentes nas estradas ou de mortos por
homicídio causam perplexidade. Repetem à exaustão notícias de jovens saudáveis,
cheios de sonhos, expectativas de vida, estraçalhados debaixo das ferragens
assassinas de algum veículo. Vidas ceifadas no pleno vigor da juventude.
Os números estão aí para provar. São mais de cinquenta mil
mortos no trânsito por ano, no Brasil. Outros tantos por homicídios. Estes
números deveriam bastar para mudar radicalmente o comportamento dos motoristas
brasileiros. Lei Seca, penas mais pesadas, suspensão da carteira de
habilitação, nada parece intimidar os “ases imortais do volante”.
- Serei eu o próximo? Vou chegar com vida ao meu destino?
Voltarei vivo? São perguntas angustiosas e precavidas que deveriam ser feitas
por todos os que se aventuram pelas “estradas da morte”.
“Nesta longa estrada
da vida, vou correndo, não posso parar” , nostalgicamente cantamos em
nossas rodinhas, ao som de um plangente violão, após uma dúzia de rodadas de
cerveja. Só que a estrada da vida, ao invés de nos dar “esperança de ser campeão,
alcançando o primeiro lugar”, como diz a continuação da música, faz dobrar
cada vez mais as badaladas fúnebres dos sinos, anunciando mais um enterro de
alguém que ficou nas ferragens das máquinas motorizadas.
Fatalidade? Não. Como dizer que o destino assim quis, quando
oito jovens se amontoam dentro de um carro, onde só cabem cinco, após uma festa
e não chegam todos vivos em casa, causando a morte de metade de seus ocupantes?
O mínimo que se pode deduzir de uma aventura trágica dessas é que deve haver
uma sensação de imortalidade entre os que saem loucamente pelas estradas afora.
Impossível querer imaginar que haja um pacto coletivo de suicídio entre os
jovens. Às vezes parece pertencerem a uma seita que faz pacto de morte, porque
é acreditável que não haja informações suficientes para coibir toda esta
loucura.
Por isso, o cuidado na transformação do menino de hoje que
gera (é pai) o futuro homem. Quem sabe, algum político tenha um lampejo de
criatividade e crie uma lei que obrigue todas as pessoas a portar uma tarja bem
visível com os dizeres “Cuidado, frágil”. Sim, a vida é frágil. E só temos uma!
*Professor de Português
Parabéns professor Elói!
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