CEGOS, SURDOS E SEM MEMÓRIA
Por Elói Kreutz
“Deitado eternamente em berço esplêndido”.
Será que de uma hora para outra parece que o gigante
adormecido acordou? O que fez
com que dormíssemos um sono tão profundo? Às
vezes penso que o autor deste verso do Hino Nacional acrescentou um poderoso
sonífero à letra. Sinceramente, há uma outra explicação?
A história está recheada de acontecimentos que deveriam ter
provocado alguma reação. De forma desorganizada e tímida, por vezes, parecia
que algo poderia acarretar um despertar coletivo.
Precisava, acontecer algo que mexesse com os brios do “povo
heroico” para que soltasse seu “brado retumbante”. Parece que era necessário,
quebrar a cara, a casa cair, a vaca ir pro brejo, o circo pegar fogo, para
finalmente acordar.
Para ilustrar um pouco a situação, a crônica de Alcântara
Machado “Apólogo brasileiro sem véu de alegoria” serve como uma metáfora para
entender que é necessário precaver-se de falsos condutores de mudanças, há
tanto tempo almejadas. Trabalhadores, carneadores, iam de trem, do serviço para
casa. No fundo do vagão, um cego. Como já era noite, alguém se queixou de que
não havia luz nos vagões. O cego, sabendo que estavam no escuro, começou uma
rebelião. O trem foi completamente depredado. Vai preso o maquinista que dá seu
depoimento:
- O cego liderou a rebelião porque não havia luz!
- Você está preso por desacato à autoridade e falso
testemunho.
Quem são os líderes “cegos” de hoje? Onde vão nos conduzir,
já de antemão sabemos: até as próximas eleições.
Felizmente ainda continua valendo o “antes tarde que nunca”.
O que agora está eclodindo são questões que provocaram uma reação de
sentimentos represados durante tanto tempo. A impassibilidade contida
transformou-se num turbilhão, soltando uma multidão em avalanche nas ruas, de
uma forma avassaladora e incontrolável. Certamente já havia inúmeras situações
em que se deveria ter dado um basta na bandalheira que se instalava
sorrateiramente nos antros do poder.
A gota d’água teria sido a construção de “pirâmides
faraônicas” chamadas de estádios de futebol. Como de costume, o que deveria
custar “um”, multiplicou-se por três com desvios astronômicos de verbas
públicas, falcatruas, superfaturamentos, fraudes, corrupções. O aumento de
passagens apenas foi o estopim para que
o gigante acordasse. Agora a multidão, apesar de um tanto desnorteada, começou
a rugir nas ruas, se rebelar e
manifestar (com cruel selvageria de alguns).
Talvez a cegueira da maioria seja irreversível. Ou fingem
que não querem ver nem ouvir. O que falta, afinal, acontecer ainda? O pavio
está ardendo e é bastante curto. A esperança é que tudo isso não passe
novamente apenas de “um fogo de palha”. O temor de usarem novamente o famoso
“pão e circo” ainda existe, pois a aposta é sempre na memória curta da maioria.
Embalados na cantilena de algumas promessas e discursos, corremos o risco de
pegar no sono outra vez.
A hora de acordar será que finalmente chegou?